Os Desejos Reprimidos e o Caminho Espiritual: Limpeza, Equilíbrio e Aprendizado na Jornada Mediúnica
por santiago Rosa
O Grito Silenciado da Alma
Tem coisa que a boca da gente não diz, mas que o corpo grita em silêncio, feito ferida que não fecha, sangrando por dentro. Tem querer que a cabeça esconde, feito segredo guardado a sete chaves, mas que o espírito, teimoso que só ele, não deixa esquecer, batucando no peito, pedindo passagem. E nesse calar forçado, nesse não querer ver o que salta aos olhos da alma, mora um desassossego, um descompasso que entorta a caminhada da gente. É como ponto cantado fora de hora, como atabaque que perdeu o rumo no toque. A negação, essa filha matreira do medo, da vergonha, do "não posso", não só nos afasta de quem a gente é de verdade, lá no fundo do nosso ser, mas também embaça a visão, atrapalha a escuta com o mundo invisível, com nossos guias e protetores. Eles, coitados, que podiam estar soprando conselho bom no nosso ouvido, acabam tendo que gastar vela e pemba pra limpar a sujeira que a gente mesmo varreu pra debaixo do tapete da consciência.
Os mais velhos, na sua sabedoria de chão de terra batida, já ensinavam: "Quem não cuida da própria encruzilhada, deixa o caminho fechado pro próprio axé passar". E é nesse pé que a nossa conversa vai firmar agora. Vamos prosear sobre como essa teimosia em não aceitar o que clama dentro de nós desalinha a vida, enferruja a corrente espiritual e obriga nossos guias a fazer hora extra na faxina do nosso íntimo. Porque, meu irmão, minha irmã, antes de embarcar no trem do desenvolvimento, de querer ouvir recado de orixá, de aprender a trabalhar com as energias, tem que arrumar a casa de dentro. Tem que deixar a soleira limpa pra visita boa poder entrar.
As Raízes da Sombra – Entendendo a Repressão
Lá no fundo do quintal da alma, onde a gente varre o que não quer ver, é que a sombra começa a ganhar corpo. Os mais velhos de santo ensinam que "o que a gente nega, nos domina por trás". E esses desejos que a gente amordaça, essas vontades que a gente tranca a cadeado no porão do coração, ah, esses não morrem de sede ou de fome. Pelo contrário, eles se alimentam do nosso silêncio, da nossa teimosia em não olhar pra eles. Viram assombração, energia densa que vai se aninhando nos cantos escuros do nosso ser, criando um tipo de mofo espiritual que impede a luz de entrar.
Essa repressão, entende? Não é só coisa da cabeça, não. É nó que se amarra na linha da vida, é pedra no meio do rio por onde o axé deveria correr solto. Seja um amor que não pôde ser vivido, uma palavra que ficou entalada na garganta, um sonho que foi pisoteado pelo medo do julgamento alheio, ou até mesmo aquela vontade de dançar pro santo que a gente reprime por vergonha... tudo isso vira entulho energético. E esse entulho não fica quieto. Ele pesa, ele dói, ele se manifesta. Às vezes, vira tristeza sem nome, angústia que aperta o peito, doença que o médico não acha a causa. Outras vezes, se mostra nos caminhos fechados, nos negócios que não prosperam, nas relações que azedam sem motivo aparente. É o corpo e o espírito falando a mesma língua: a língua do bloqueio, do desequilíbrio causado por aquilo que foi negado.
No terreiro, a gente aprende que cada um de nós é um universo em miniatura, com sol, lua e estrelas próprias. Quando a gente reprime um desejo legítimo, uma parte desse universo se apaga, fica na penumbra. E essa escuridão atrai o que não é bom, dificulta a sintonia fina com nossos guias, com nossos orixás. Eles até tentam chegar perto, soprar um caminho, mas a ‘estática’ causada pela nossa própria negação atrapalha a comunicação. É como tentar ouvir um conselho importante no meio de uma ventania. A mensagem se perde. E aí, o trabalho que era pra ser de orientação, de ensinamento, vira um esforço pesado de limpeza, de desobstrução. Porque não dá pra construir casa nova em terreno cheio de escombro velho. Primeiro, tem que tirar o lixo pra depois assentar o tijolo.
A Faxina da Alma – O Ritual da Limpeza e Aceitação
Mas veja bem, meu irmão, minha irmã, que mesmo na poeira levantada por essa ventania interna, há esperança e axé. Quando os guias chegam pra fazer a "faxina sagrada", não é castigo, não é cobrança divina apontando o dedo. É cuidado, é amparo, é a mão estendida do mundo espiritual dizendo: "Estamos aqui, filho(a), vamos levantar essa poeira juntos, mas aprenda com ela". A limpeza espiritual, essa intervenção necessária quando a gente teima em guardar o que machuca, é, antes de tudo, um ritual de passagem, uma oportunidade de renascimento. É como o banho de folha que lava o corpo e a alma, tirando a urucubaca, abrindo espaço pro novo.
No saber dos terreiros, aprende-se que "ferida que não é cuidada, inflama e impede o andar". Nossos guias, com sua paciência de Oxalá e sabedoria ancestral, sabem disso. Eles não podem nos forçar a abrir a porta do coração, mas quando finalmente damos uma brecha, quando o cansaço de carregar tanto peso fala mais alto e a gente admite, mesmo que num sussurro, "preciso de ajuda", aí sim eles podem trabalhar em plena força. Eles vêm com suas ferramentas espirituais – a pemba que risca o ponto de proteção, a fumaça do incenso que purifica, a água fluidificada que acalma – para desatar os nós que nós mesmos criamos com nossas negações.
E nesse processo de limpeza, reside um ensinamento profundo. Ao permitir que os guias trabalhem, ao encarar de frente aqueles desejos e sentimentos que escondíamos, iniciamos um movimento interno de aceitação. É como olhar para a própria sombra não mais com medo, mas com a curiosidade de quem quer entender suas origens. Reconhecer a dor, a frustração, o desejo reprimido, sem se chicotear com a culpa, é o primeiro passo para transformar chumbo em ouro, para transmutar a energia estagnada em força motriz. É um processo que pode doer, sim, como toda limpeza profunda, mas que liberta. É como dizem: "Pra flor nascer, a terra tem que ser revolvida". Os guias ajudam a revolver a terra, mas a semente da aceitação, essa tem que ser plantada por nós. Só assim, com a casa interna começando a se organizar, é que a energia volta a fluir e o caminho para o desenvolvimento espiritual se reabre.
Dançando no Ritmo do Axé – A Busca pelo Equilíbrio
Depois da faxina, quando a poeira assenta e a gente começa a respirar um ar mais limpo dentro de si, é hora de aprender a dançar no ritmo certo. O desenvolvimento mediúnico, essa caminhada bonita de aprendizado e serviço espiritual, não é uma corrida desenfreada pra ver quem chega primeiro. É mais parecido com uma dança sagrada, daquelas que exigem ginga, presença e, acima de tudo, equilíbrio. E como é que se dança direito com um pé amarrado pela mente ansiosa, outro tropeçando no corpo cansado e o espírito ainda meio zonzo da limpeza? Não se dança. A gente tropeça, cai, levanta, mas não flui.
O equilíbrio entre corpo, mente e espírito não é enfeite, não é luxo pra quem tem tempo sobrando. É a própria fundação da casa espiritual que a gente quer construir. É o alicerce firme onde o axé pode se assentar e trabalhar direito. Pense no corpo como o terreiro físico onde tudo acontece; na mente como o ogã que precisa tocar o atabaque no ritmo certo, sem acelerar nem atrasar; e no espírito como o médium que precisa estar presente, centrado, pra receber a entidade ou a mensagem. Se um desses três desafina, a gira desanda. Se o corpo está doente, mal cuidado, a energia vital fica baixa. Se a mente está um turbilhão de preocupação, medo e dúvida, ela cria um ruído que impede a sintonia fina com o plano espiritual. Se o espírito está fragilizado pelas batalhas internas ainda não resolvidas, ele não tem força pra sustentar a conexão.
É por isso que os guias insistem tanto: "Cuide da sua matéria, aquiete seus pensamentos, fortaleça sua fé". Não é à toa. Eles sabem que um canal limpo e equilibrado é muito mais eficiente. Quando corpo, mente e espírito estão minimamente alinhados, vibrando numa sintonia mais harmoniosa, a gente se torna como um rádio bem sintonizado. As mensagens chegam mais claras, as intuições ficam mais aguçadas, a presença dos guias se torna mais palpável. O aprendizado flui como água de cachoeira, lavando e nutrindo ao mesmo tempo. A gente começa a entender os sinais, a decifrar os sonhos, a sentir a energia dos lugares e das pessoas com mais clareza. O desenvolvimento deixa de ser um esforço penoso e passa a ser uma descoberta constante, um diálogo amoroso com o sagrado que habita em nós e ao nosso redor. Buscar esse equilíbrio é, portanto, parte essencial do trabalho mediúnico. É cuidar do instrumento para que a música divina possa tocar através de nós.
A Escrevivência do Médium – Emoções como Ferramentas de Aprendizado
E é justamente nesse chão revolvido pelas emoções, nesse equilíbrio buscado a cada passo, que o médium em desenvolvimento encontra a matéria-prima do seu aprendizado mais profundo. Porque mediunidade não é só ver espírito ou ouvir recado do além. É, antes de tudo, uma jornada de autoconhecimento visceral, uma 'escrevivência' da alma, onde cada sentimento, cada dor, cada alegria se torna tinta pra escrever a própria história espiritual. Os mais velhos ensinam: "Quem não se conhece, não conhece o mundo". E podemos completar: quem não mergulha nas próprias águas, mesmo as mais turvas, não aprende a navegar nos mares do espírito.
Aqueles desejos reprimidos que trouxeram desequilíbrio, a angústia sentida durante a limpeza espiritual, a dificuldade em aquietar a mente... tudo isso não é falha no percurso, é lição. É o universo, através dos nossos próprios sentimentos, nos mostrando onde a gente ainda precisa crescer, onde a casca está fina, onde a fé vacila. Aprender a lidar com as próprias emoções – a raiva que ferve, a tristeza que afoga, o medo que paralisa, mas também o amor que transborda e a alegria que cura – é a escola fundamental do médium. Como é que a gente vai acolher a dor do outro, entender o emaranhado emocional de quem busca ajuda no terreiro, se a gente foge das nossas próprias sombras?
Cada emoção sentida e elaborada é como uma ferramenta nova que a gente ganha na nossa caixa de trabalho espiritual. A compaixão nasce de ter conhecido a própria dor. A paciência floresce ao lidar com a própria ansiedade. A firmeza se constrói ao enfrentar os próprios medos. Os guias espirituais observam esse processo com atenção. Eles não nos poupam das lições, porque sabem que é no fogo que o ferro se molda. Mas eles amparam, inspiram, mostram caminhos para que a gente aprenda a transformar o veneno em remédio. O médium que se permite sentir, que encara suas emoções sem fugir, que busca compreendê-las à luz dos ensinamentos espirituais, torna-se um canal mais forte, mais resiliente e, acima de tudo, mais humano. E é essa humanidade, temperada pela sabedoria do espírito, que faz a verdadeira diferença no trabalho de caridade e no próprio caminho de evolução.
O Florescer Após a Limpeza
No fim das contas, meu irmão, minha irmã, a caminhada espiritual é feita de muitos passos, alguns no claro, outros no escuro, mas todos necessários pra chegar onde a gente precisa. Aquela sombra que a repressão criou, a poeira que a limpeza levantou, o esforço pra achar o equilíbrio e o choro engolido ao lidar com as próprias emoções... nada disso foi em vão. Como dizem por aí, "até tombo ensina a levantar". Cada pedaço dessa jornada, por mais doído que pareça no momento, é aprendizado puro, é adubo pra alma florescer mais forte, mais consciente.
A gente aprende, na marra muitas vezes, que negar o que sente é fechar a porta pro próprio axé. Aprende que a limpeza feita pelos guias é um ato de amor profundo, mas que a chave da transformação tá na nossa mão, na coragem de aceitar o que dói, o que incomoda, o que a gente queria esconder. Aprende que corpo, mente e espírito precisam andar de mãos dadas, afinados como os couros do atabaque, pra sintonia com o sagrado acontecer de verdade. E, principalmente, aprende que ser médium é ser eterno aprendiz das próprias profundezas, usando cada sentimento como degrau pra subir na escada da evolução.
Nossos guias, esses amigos de luz, não nos abandonam nas encruzilhadas da vida. Eles têm a paciência de quem conta as estrelas, esperando o nosso tempo, o nosso despertar. Esperam que a gente pare de brigar com a própria história, que a gente acolha nossas falhas e nossos desejos com mais ternura. Porque é só quando a gente se aceita por inteiro, com as luzes e as sombras que nos compõem, que o coração fica leve de verdade, pronto pra receber as bênçãos e os ensinamentos que o Alto tem pra nos dar.
E aí, sim. Quando a casa de dentro está minimamente arrumada, quando a gente se permite ser quem é, sem medo e sem máscara, o "bonde do axé", como dizem os mais chegados, encontra a gente na estação. E a gente sobe. Sobe mais forte, mais sábio, pronto pra seguir viagem, com a certeza de que cada passo, cada lágrima, cada sorriso, faz parte do grande bordado da vida que Olorum desenhou pra nós.




TEXTO LINDO! MOTIVADOR! ❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️
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