Caboclo Cobra Coral – A força que vem das Matas

Caboclo Cobra Coral chegou. E quando ele chega, o terreiro inteiro sente. Não é um chegar qualquer, é uma presença que se impõe, que se faz notar desde o primeiro instante. Suas pisadas são firmes, como se a terra reconhecesse o peso da sua força. A primeira parada é a tronqueira, onde ele reverencia Exu, pede licença, pede passagem. E a resposta vem rápida, como um sinal de que o caminho está aberto, que ele é esperado, que o seu lugar ali já estava reservado há muito tempo.


Ele gosta do fumo forte, da pinga que queima na garganta e acende o espírito. Os atabaques tocam para ele, num ritmo que parece nascer da terra e ecoar no céu. O som é cadenciado, como o movimento de uma cobra que dança para a vida. E ele dança. Oh, como ele dança! Em frente ao congá, abre um sorriso largo, como se cumprimentasse cada um dos presentes, como se dissesse, sem palavras: “Estou aqui. Cheguei.” E os outros guias, cada um no seu jeito, prestam homenagem. Há respeito, há reverência, há um silêncio que fala mais do que mil palavras. Todos sabem que, a partir daquela noite, o congá terá mais uma força, mais uma luz, mais uma proteção.

Ele se vira para nós, e aí vem a apresentação. “Okê, Caboclo!”, eu digo, e o saravá que sai dele é como um trovão que ecoa por todo o terreiro. A voz é firme, mas não é grossa. É como se trouxesse a sabedoria das matas, a força das águas, a resistência das pedras. “Sou forte”, ele diz, e não precisa de mais nada para provar. O corpo é grande, imponente, mas não é a força bruta que chama atenção. É a maturidade, a certeza de quem já viveu o suficiente para saber que a verdadeira força está no equilíbrio. A pele não é totalmente negra, mas brilha como se tivesse sido banhada pelo sol mais intenso. Ele é valente, sim, mas a valentia dele não está só nas flechas que carrega. Está no olhar, no jeito como agarra a presa, como abraça a vida.

Os penachos que ele usa são uma festa de cores: verde, vermelho, branco. As penas maiores ficam no centro, como uma coroa natural, e vão diminuindo até ficarem pequenas atrás. Ele as usa nas pernas, nos pulsos, como se carregasse consigo a energia da mata, o sopro do vento, o canto dos pássaros. E quando ele se move, é como se toda essa energia se espalhasse pelo terreiro, tocando cada um de nós.

As apresentações feitas, chega a hora dos ensinamentos. Ele fala com calma, mas cada palavra parece carregar um peso, uma lição. Não há pressa. Ele sabe que o tempo é dele, mas também sabe que precisa respeitar os limites da noite. E nós, que estamos ali, queremos mais. Sempre queremos mais. Conhecer um guia pela primeira vez é como abrir uma porta para um mundo novo. A energia é diferente, única, e fica impregnada no ar, nas paredes, no chão. A satisfação de recebê-lo é visível nos olhos de todos, nos sorrisos que surgem sem querer, no silêncio que se faz quando ele fala.

Caboclo Cobra Coral dança, bate os pés no chão, faz o terreiro tremer. O fumo que ele saboreia enche o ambiente de uma fumaça que parece carregar a sua essência. É como se ele deixasse uma marca, uma assinatura, algo que nunca mais será esquecido. E quando chega a hora de ir, ele não vai embora sem antes perguntar se há mais alguma dúvida, se há algo que precise ser esclarecido. Porque o trabalho dele, como o de todos os guias, é também responder, ensinar, guiar. Ele sabe que os nossos olhos da terra não veem tudo, e por isso está ali: para abrir os nossos caminhos, para clarear as nossas mentes.

“Okê, Caboclo!”, eu digo novamente, e o saravá que ele devolve é como uma promessa: “Até a próxima.” E a gente sabe que ele vai voltar. Que a sua presença, a sua força, a sua proteção, estarão ali, no terreiro, no congá, em cada um de nós. Porque Caboclo Cobra Coral chegou para ficar. E a partir de agora, o terreiro nunca mais será o mesmo.


Santiago Rosa

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