As Águas de Iemanjá: Um Fio de Contas, Um Laço de Amor

 No terreiro, o tempo não corre como nas ruas lá fora. Aqui, ele se arrasta devagar, como as águas de um rio que sabe para onde vai, mas não tem pressa de chegar. Cada dia é um ritual, uma preparação cuidadosa, como quem arruma a casa para receber visitas queridas. As velas são acesas, os tambores repousam em silêncio, esperando o momento certo para ecoar, e os corações já sussurram em segredo, antecipando a chegada das entidades que vêm pra cuidar, proteger, guiar. Hoje, porém, é um dia diferente. Hoje, uma filha chega ao terreiro, trazendo consigo o peso das dúvidas e a leveza da esperança. Ela vem buscar o fio de contas, um presente de proteção, um laço que a conectará com Iemanjá, a mãe que tudo vê, tudo acolhe, tudo cura.



O terreiro, antes um espaço de paredes e portas, agora se transforma. As paredes se dissolvem, as portas se abrem, e o chão vira areia molhada, o teto vira céu estrelado, e o ar se enche do cheiro do mar. Iemanjá chega. Ela não vem com pressa, não vem com estrondo. Vem como a maré, devagar, mas com certeza. Suas ondas entram pelo terreiro, banhando tudo e todos, lavando as dores, limpando as mágoas, renovando as esperanças. Ela é a mãe que chega para cuidar, para acolher, para curar.

Ela se aproxima da filha, e suas mãos, molhadas pelas águas sagradas, brilham como pérolas. Com cuidado de mãe, ela pega o fio de contas, um colar que é mais que enfeite, é proteção, é força, é amor. Ela o leva ao coração, onde sussurra palavras que só o mar entende. Ali, no silêncio que precede o sagrado, ela imprime no fio a força que a filha precisa, a força que só uma mãe pode dar.

Com movimentos suaves, como se estivesse dançando com as ondas, Iemanjá coloca o fio de contas no pescoço da filha. E, num instante, o cenário se ilumina. As águas batem nas rochas, criando espumas brancas que sobem aos céus e caem como chuva de bênçãos, tocando a todos que estão presentes. Ninguém passa por esse momento sem sentir a vibração de Iemanjá, sem ser tocado pela sua força, que é ao mesmo tempo doce e poderosa, como o mar que acalma e transforma.

Antes de partir, Iemanjá consagra o terreiro, abençoando cada um com um olhar que parece durar uma eternidade. E então, como chegou, ela se retira, refazendo suas ondas e entrando no mar com a mesma singeleza. O terreiro volta a ser terreiro, as paredes se reconstroem, as portas e janelas se fecham, mas o coração de cada um ainda vibra como os tambores que agora ecoam em saudade.

A saudade de Iemanjá é suave, como a brisa que vem do mar ao entardecer. Mas o amor que ela deixa é grandioso, um amor que não se apaga, que fica guardado no peito como um tesouro, como um fio de contas que protege e abençoa, lembrando sempre que, mesmo quando o mar parece distante, ele está dentro de nós, batendo no ritmo do coração.

E assim, o sagrado se faz presente no cotidiano, nas histórias que se contam ao pé do fogão, nas mãos que trabalham, nos corações que amam. O terreiro é mais que um lugar, é um espaço de encontro, de cura, de amor. E Iemanjá, a mãe de todos, é a força que nos guia, que nos protege, que nos lembra que, mesmo nas horas mais difíceis, o mar está dentro de nós, nos banhando de esperança, de força, de amor.


Santiago Rosa

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