A Chama de Caboclo Pena Branca: Serenidade e Força no Terreiro da Alma

 O dia parecia carregar em si um paradoxo. A chuva insistia em cair, densa e fria, como se o verão tivesse se esquecido de nós. O vento cortava a pele, trazendo uma sensação de espera e inquietude, como se a natureza mesma estivesse em conflito consigo. No entanto, quando Caboclo Pena Branca cruzou a porta do terreiro, tudo mudou. Sua presença era uma chama cálida que derretia qualquer gelo – não apenas o do tempo, mas também o das dúvidas, medos e incertezas que tantos carregavam no peito. Era como se ele trouxesse consigo um verão invisível, uma estação de renovação que não dependia do calendário, mas da força do espírito.

Ele chegou com passos firmes, o som de seus pés contra o chão ecoando como tambores ancestrais. Cada passo parecia marcar o ritmo de uma canção antiga, uma melodia que só os corações atentos podiam ouvir. Não precisou erguer a voz para ser ouvido. Sua fala, mansa e pausada, carregava o peso de uma ancestralidade que não se apressa, mas sabe exatamente onde quer chegar. Com serenidade, ele nos falou da possibilidade de recomeços, da construção de uma nova vida sob sua proteção. Era como se suas palavras fossem sementes, caindo em terras áridas que, subitamente, se tornavam férteis. Ele nos lembrava que, mesmo em meio à tempestade, há sempre um solo pronto para receber novas raízes.

Sem pressa, mas com uma determinação inabalável, Caboclo Pena Branca iniciou seu trabalho. Fez a firmeza no congá, seus gestos seguros desenhando no ar uma força invisível, porém palpável. Cada movimento era uma oração, uma conexão com os planos mais altos, uma invocação de energias que transcendiam o visível. Depois, caminhou até a porta do terreiro. Ali, de frente para o mundo que muitas vezes nos ameaça e desafia, deixou sua bênção. Não era apenas um gesto; era uma promessa. Uma força tranquila, quase palpável, se espalhou pelo ambiente, como se as paredes respirassem com mais leveza, como se o chão sob nossos pés se tornasse mais firme. Era como se ele estivesse dizendo: “Aqui, vocês estão protegidos. Aqui, vocês podem se reconstruir.”

Ao voltar para o interior do terreiro, dançou. Seus movimentos eram um diálogo com a terra, com o ar, com o fogo que ainda ardia em nossas almas. Cada passo, cada giro, era uma reverência aos elementos, uma celebração da vida que pulsa em tudo e em todos. Fumou e bebeu, com a naturalidade de quem compreende os mistérios e os respeita. Em cada atendimento, sua orientação era como um farol. Não havia espaço para ambiguidades. Suas palavras iam direto ao ponto, mas carregavam uma ternura escondida, uma sabedoria que só quem entende profundamente a dor humana pode oferecer. Ele não prometia caminhos fáceis, mas garantia que, com fé e trabalho, nenhum obstáculo seria grande demais.

Quando o momento de sua partida chegou, Caboclo Pena Branca não se despediu apenas com palavras. Ele nos chamou a atenção para a luz que habitava no congá – a luz dos orixás, dos guias, dos protetores. Era como se ele dissesse que, embora sua presença física fosse temporária, sua força e cuidado permaneceriam ali, pulsando, guiando, protegendo. “A luz nunca se apaga,” parecia ecoar em sua voz. “Ela está aqui, em vocês, e em tudo o que fazem com amor e dedicação.”

Ao pedir licença para partir, ele nos deixou com uma promessa que não era apenas conforto, mas também compromisso. A promessa de voltar. E, em sua ausência, nos deixou algo mais valioso do que qualquer presente tangível: a certeza de que somos capazes de trilhar jornadas mais brilhantes, sustentados por sua serenidade e força. Ele nos ensinou que a verdadeira proteção não está apenas na presença física, mas na conexão que mantemos com o sagrado, com a natureza e com nós mesmos.

E então, ele se foi. Mas o terreiro continuava cheio – de luz, de calor, de esperança. E em cada coração que ali estava, o Caboclo Pena Branca permaneceu, como um sussurro eterno que nos chama a caminhar, mesmo nos dias mais frios e chuvosos. Ele nos deixou com a lembrança de que, mesmo quando a chuva cai e o vento corta, há sempre uma chama acesa dentro de nós, pronta para iluminar o caminho e aquecer a alma. E assim, seguimos, sabendo que ele estará sempre conosco, em cada passo, em cada recomeço, em cada gesto de amor e fé. Okê Caboclo!!


Santiago Rosa

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