Maria do Cais: Memórias de uma Mulher do Mar

Meu nome é Maria do Cais, e como as ondas que beijam incessantemente a costa, minha história é um eterno vai e vem de alegrias e tristezas. Nasci com a pele morena, daquelas que o sol do mar faz questão de acariciar todos os dias, tornando-a ainda mais dourada. Sempre fui uma mulher alta, de corpo robusto, com cabelos pretos e ondulados como as águas do oceano em noites de lua cheia, e olhos da cor do café forte que os marinheiros tanto apreciavam.


Minha infância foi brutalmente interrompida quando a peste chegou em nossa cidade como um vento negro e impiedoso. Em questão de dias, perdi minha família inteira - pai, mãe e meus dois irmãos. O destino, em sua misteriosa sabedoria, me deixou sozinha no mundo, mas o cais tornou-se meu lar e sua gente, minha família. Aprendi cedo que a solidão não precisava ser sinônimo de tristeza. Entre os barcos e navios ancorados, construí minha vida com a mesma determinação que os marinheiros usam para navegar em mares revoltos. Vestia-me sempre com meus preferidos: vestidos brancos adornados com faixas vermelhas na barra, e calçava sapatos de época que me faziam sentir como uma dama, mesmo em meio ao trabalho pesado do porto. Estudei o suficiente para decifrar as palavras nos periódicos que chegavam com os navios, e cada nova leitura era como uma pequena viagem para lugares distantes. Trabalhava em qualquer serviço que aparecesse, mesmo aqueles que diziam ser "trabalho de homem". Minha força e saúde eram minhas maiores aliadas, permitindo-me defender minha honra quando necessário, sem jamais perder a doçura que habitava em meu coração. Os festejos nos navios recém-chegados eram minhas noites de glória. Enquanto servia bebidas, meu corpo dançava ao ritmo das músicas marinheiras, e minha alegria contagiava a todos. O dinheiro que ganhava nas rodas de dança era bem-vindo, mas a verdadeira riqueza estava na liberdade que sentia nesses momentos.

Houve um pescador, homem simples e honesto, que me ofereceu amor verdadeiro. Mas eu, tola e sonhadora, o recusei. Meu coração já estava preso a outro - um homem que me fez provar o gosto amargo do amor não correspondido. Ele tinha família, algo que descobri tarde demais, quando meu coração já sangrava de amor por ele. Este homem usava meus sentimentos como redes para me capturar em sua teia de mentiras. Sempre fui confundida com as mulheres que vendiam seu corpo no cais, mas nunca segui esse caminho. Ao contrário, dediquei-me a ajudar os solitários como eu, mostrando-lhes que a dignidade e a alegria podem florescer mesmo nos terrenos mais áridos da vida. Nunca tive filhos, pois acreditava que eles deveriam vir de um amor abençoado pelo matrimônio. Essa decisão, como tantas outras em minha vida, foi guiada por meus princípios, que permaneceram firmes como as âncoras dos navios que tanto amei. O fim de minha história terrena chegou pelas mãos da esposa daquele que me iludiu. Mas mesmo esse último capítulo não conseguiu apagar a alegria com que vivi cada dia de minha existência. Como o mar, que mesmo em dias de tempestade guarda em suas profundezas uma calma infinita, minha alma manteve-se serena até o fim. Agora, minha história vive nas brisas do cais, nas ondas que quebram na costa, e nos corações daqueles que, como eu, encontram no mar não apenas um meio de vida, mas um caminho para a liberdade.

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