A Manhã que Anunciava o Sagrado

A manhã despertou clara e quente, como se o sol, em seu eterno saber, já soubesse que algo especial estava por vir. O terreiro, desde as primeiras horas, respirava uma energia silenciosa, um preparo que não se via, mas que se sentia em cada canto, em cada gesto. Não sabíamos ao certo o que esperávamos, mas havia uma certeza no ar: aquela noite seria diferente, uma noite que tocaria fundo a alma de todos que ali estivessem.



Começamos o dia com a defumação. O aroma de guiné, arruda e alecrim enchia o espaço sagrado, como um sopro divino a limpar, a purificar, a iluminar. O terreiro parecia respirar conosco, acolhendo a espiritualidade que se fazia presente, mais próxima, mais viva. Os pontos eram entoados, e as vozes se misturavam às forças silenciosas das entidades que nos cercavam, sempre tão próximas, mas naquele dia, quase palpáveis.

O dia passou entre estudos, trabalhos e textos, mas a defumação nunca cessou. Era como um fio condutor, um lembrete suave da energia que nos envolvia, nos preparando para o que estava por vir. Quando a noite finalmente chegou, trazendo consigo uma brisa mais amena, nossos corações já batiam em sintonia, ansiosos pela chegada da trabalhadora e sua irmã de sangue, que pela primeira vez pisava naquele terreiro, um espaço já consagrado pela espiritualidade de nossos guias.

E então, ao término do trabalho de Pomba Gira Rainha das Sete Encruzilhadas, sempre tão acolhedora, veio a certeza. Ela pediu passagem para a senhora Iemanjá. E ali, naquele instante, tudo fez sentido. Todo o dia, toda a preparação, havia sido para o encontro com a Mãe das Águas.

Iemanjá chegou. Como sempre, com a força de uma mãe que não apenas acolhe, mas que abraça com toda a potência do mar. Ela dançou suas águas, ora calmas, ora revoltas, como quem celebra a vida em todos os seus momentos, com intensidade, amor e sabedoria. Em seguida, posicionou-se diante de mim, e com suas mãos, banhou-me com a água salgada. Cada gota era um renascimento, uma purificação. Seu toque era suave, mas profundo, como se ela estivesse limpando não apenas o corpo, mas a alma, tirando o peso de uma vida inteira de dúvidas e medos.

Quando ela se aproximou do meu coração, com as mãos em concha, senti a suavidade da sua energia envolver-me de uma forma que palavras jamais poderiam traduzir. Olhou em meus olhos, como se pudesse ver até os recessos mais profundos do meu ser, e com um sorriso largo e terno, sem uma palavra sequer, me disse o quanto estava feliz com o trabalho que estávamos desenvolvendo, com o brilho que emanava naquele instante. Odoyá, minha Mãe Iemanjá. Agradeci por sua ternura, por sua bondade e por me lembrar, mais uma vez, da grandiosidade do amor maternal que ela carrega em seu ser.

Ela então repetiu o mesmo gesto com a trabalhadora, e ao olhar para a filha, que naquele terreiro tivera seu primeiro encontro com a Mãe das Águas, algo sublime aconteceu. Foi um abraço intenso, profundo, que durou o tempo necessário para que, naquele instante, a conexão entre mãe e filha fosse eternizada. Iemanjá, com seu amor incondicional, desejava à sua filha o amor que só uma mãe pode dar. Naquele momento, senti o amor mais puro, mais verdadeiro, fluir de sua energia. E em seguida, ela fez um pedido. Com delicadeza, levou até o peito da filha um luzeiro, iluminando e selando a ligação entre a Iabá, mãe de todos, e sua filha amada. O luzeiro brilhou com intensidade, como a certeza de que nada jamais se perderia entre elas.

O congá do terreiro, iluminado por essa luz, parecia vibrar em harmonia com todos os presentes. Uma união estava selada, uma ligação que seria eterna, um encontro que jamais seria esquecido. E assim, ao som dos pontos cantados, Iemanjá dançou pela sala do terreiro, graciosa, como se estivesse deixando sua marca em cada canto, em cada ser ali presente.

E quando chegou o momento de partir, ela o fez com a mesma graciosidade com que chegou. Não com despedida, mas com a promessa de retorno, de sempre estar ali quando fosse necessário para os trabalhos sagrados do terreiro. Odoyá, Mãe Iemanjá. O brilho de sua presença ficou gravado em nossos corações, e a sua bênção é uma luz que ilumina o caminho de todos nós.

Santiago Rosa

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