Sob a Luz do Arco-Íris, A Transformação

A noite se desenrolava tranquila, perfeita em sua simplicidade. Conversávamos animadamente, eu e ela, a Pomba Gira Rainha. Palavras dançavam entre nós, ensinamentos profundos ecoavam na sala pequena, mas cheia de vida. Falávamos da Umbanda e dos seus caminhos. Ela, com a força de quem sabe, explicava como os orixás e guias estão mais interessados em nossa jornada do que muitas vezes imaginamos. E por que não perguntar diretamente a eles? Por que não ouvir das suas próprias vozes o que pensam dos dias de hoje, do que precisa ser feito? Com Rainha, não há tempo para dúvidas. Tudo é resolvido no instante, com clareza e firmeza.

Mas naquela noite, algo diferente me aguardava. O anúncio veio como quem traz uma bênção: Oxumaré vem. O Senhor da Transformação se aproxima. As batidas dos tambores mudaram, e o ar na sala se transformou. O ritmo cadenciado parecia mover o próprio tempo, e então veio o silêncio. Um silêncio que não era vazio, mas pleno, carregado de algo que eu ainda não compreendia, mas sentia. O som das folhas se movendo começou a preencher o espaço. Era como se a terra ao nosso redor se preparasse para sua chegada.


Quando dei por mim, ele estava ali. A serpente sagrada, sinuosa e majestosa, deslizou até o congá. O arco-íris tomou forma diante dos meus olhos. Não apenas uma visão, mas uma presença, um toque no fundo da alma. "Arroboboi, Oxumaré," murmurei com reverência, meu coração batendo como os tambores que agora silenciavam para lhe dar espaço.

O rito seguiu, como sempre segue, mas havia algo mais naquela noite. Charuto e bebida foram oferecidos, mas o que ele trouxe não eram apenas bênçãos rotineiras. Oxumaré veio com palavras silenciosas, com gestos que atravessavam a carne e tocavam o espírito. Ele veio agradecer, celebrar as mudanças que têm acontecido no meu ori, na minha essência.

Ele olhou para mim — ou melhor, senti o peso e o calor de seu olhar em meu interior. Disse sem dizer, mostrou sem precisar de palavras: "O caminho não é solitário. Eu estou aqui." A espiritualidade caminha conosco, passo a passo, na queda e na vitória. Ele sabia das escolhas difíceis que eu fizera, das vezes em que temi, mas continuei. E sua presença ali era a confirmação de que tudo estava certo.


Oxumaré falou de esperança. Não do tipo que se perde em sonhos, mas daquela que é construída com as mãos, com o trabalho, com a fé. Falou que logo à frente o destino estaria pronto, e o melhor viria, porque o melhor sempre vem para aqueles que caminham com coragem e coração aberto.

Enquanto ele falava, sua energia fluía em mim como um rio, purificando, renovando, transformando. Cada movimento da serpente parecia desenhar um novo horizonte, um futuro onde a alegria e o amor seriam as guias do meu caminhar. Ele não pediu nada, apenas deu: força, visão, e a certeza de que não há volta. O que está feito é sagrado, e o que está por vir é maior do que qualquer coisa deixada para trás.

Ao final, a sala parecia outra. Pequena ainda, mas imensa em luz. O arco-íris permanecia no congá, como uma lembrança viva de que ele esteve ali, de que esteve comigo, conosco. Quando partiu, levou consigo as dúvidas, os medos, e deixou a certeza: transformar é viver. Seguir é preciso. E eu não estou só.

Arroboboi, Oxumaré. Que sua serpente nos guie, que seu arco-íris nos ilumine. Que a força da transformação nunca nos abandone.


Santiago Rosa

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