A Aura de Cabocla Jacira
Hoje foi uma noite de caboclos no terreiro, e Cabocla Jacira chegou com todo o seu encanto e vigor. A lua, em sua plenitude, parecia conspirar com o universo para saudar sua chegada. Jacira, com seu porte imponente e aura de força, tinha uma missão: apresentar-se para sua filha, sua protegida, aquela que a aguardava com o coração carregado de esperança e ansiedade. E, como em toda missão divina, nada estava ali por acaso.
Quando os tambores começaram a ecoar o seu ponto, Jacira não hesitou. Seus pés firmes no chão pareciam dialogar com a terra, e o sorriso largo em seu rosto refletia uma certeza que transcende a compreensão humana. Com um gesto grácil, ela ergueu uma flecha, como se estivesse conectando céu e terra, e a lançou sobre sua filha. O gesto era mais do que simbólico: era uma declaração de proteção, um ato de iluminar o ori daquela que tanto amava. Ao ver o impacto de sua ação, seu sorriso se ampliou ainda mais, carregado da satisfação que vem apenas da missão cumprida.
“Vosuncê é minha protegida, vosuncê é minha filha,” disse ela, com uma alegria que vinha das profundezas de seu espírito. Cada palavra era impregnada de significado, como se carregasse um segredo do universo. E, então, como uma dança que invoca a energia primordial da vida, Jacira dançou. Cada movimento seu parecia traçar caminhos invisíveis no ar, conectando todos nós à sabedoria ancestral que ela representava. Os ritos seguiram com fumo e bebida, mas eram mais do que ritos: eram portais para um conhecimento que apenas o espírito pode acessar.
Jacira tinha o dom da simplicidade. Suas palavras eram diretas e objetivas, como flechas disparadas ao coração de quem as ouvia. Mas, ao mesmo tempo, havia nelas uma positividade quase mágica, uma luz que iluminava os caminhos mais sombrios. Seus sorrisos eram frequentes, quase como uma assinatura divina, e a cada pausa ela reafirmava: “Filha de Jacira tem que ser alegre como ela, tem que ser independente como ela.” Essas palavras ecoavam como um mantra, um lembrete de que a alegria e a independência são atos de coragem e amor-próprio.
Com a sabedoria de uma cabocla que aprendeu com a mata e com o silêncio, Jacira compartilhou histórias que eram mais do que memórias: eram lições de vida. Ela contou sobre sua coragem em enfrentar batalhas sem armas, armada apenas de fé e bravura. Falou de Jurema, sua irmã mais velha, que a ensinou a respeitar o ciclo da vida, mas que também a via como uma sonhadora atrapalhada. Em sua narrativa, havia um equilíbrio entre humor e profundidade, que fazia com que cada um de nós se visse refletido em sua história.
“Nada é por acaso,” disse ela, olhando nos olhos de todos ali presentes. “Cada momento carrega em si a chave para algo maior. Vosuncê pode não entender agora, mas confie. O caminho sempre se revela a quem caminha com coragem.” Essas palavras ficaram pairando no ar, como uma bênção silenciosa.
A noite foi verdadeiramente especial. O terreiro, iluminado pela presença de Cabocla Jacira, transbordava de uma energia que parecia tocar cada um de nós de maneira única. Quando ela se despediu, deixou-nos com mais do que ensinamentos: deixou-nos com a certeza de que o universo sempre conspira a favor daqueles que acreditam. “Eu vou voltar, fio,” disse ela, com aquele sorriso que carrega todo o mistério e toda a sabedoria da mata. “Fiz gostado de vir aqui.” E partiu, mas sua presença continuou pulsando em nossos corações.
Okê Cabocla!
Santiago Rosa



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