O Silêncio que Curou: Um Encontro com Obaluayê

por Santiago Rosa

Naquele dia, o terreiro se fez um só corpo, pulsando num ritmo que só a fé entende. O ar, antes denso de expectativas, rareou, e cada folha no quintal pareceu prender a respiração. Não era um silêncio de ausência, mas de reverência, de quem sabe que o Grande Rei está a caminho. E ele veio, Obaluayê, o Senhor da Terra, o Velho, o Curador, pisando miúdo, mas com a força de um trovão abafado. Não era só a chegada de um orixá; era a ocupação de cada fresta, de cada canto da alma, um preenchimento que transbordava, aquietando o que antes era tormenta.


Eu, gente miúda, me vi ali, de joelhos, o coração batendo no compasso do atabaque que ainda não tocava, mas que eu já ouvia na alma. A majestade dele não se impunha com gritos, mas com a paciência de quem viu o mundo nascer e renascer mil vezes. Cada gole de sua bebida, um ritual. Cada baforada de fumo, uma prece que se espalhava no ar, levando consigo as mazelas e as dores. E a dança, ah, a dança! Não eram passos, mas histórias contadas pelos pés, uma sabedoria ancestral que meu corpo reconhecia, mesmo que a mente, essa teimosa, ainda tentasse decifrar.

E então, o toque. As mãos firmes, calejadas pela vida e pela cura, seguraram as minhas. Não era um aperto, mas um abraço de almas, um convite a um ritual secreto, só nosso. O calor que vinha dele não era de fogo que queima, mas de brasa que acolhe, que irradia, que se espalha pelas veias, acendendo a vida. Era a cura, sim, a certeza de que ali, naquele instante, Obaluayê e eu éramos um só. Ele não só me tocava, mas alcançava a todos ali no terreiro, com a mesma força, com a mesma benção. Senti suas mãos moldando meu ori, ajeitando o que estava torto, preparando o terreno para a semeadura de um novo tempo. Um trabalho invisível, mas tão profundo quanto a terra que ele governa, que ele cuida, que ele zela.


Quando a hora da partida chegou, ele se foi como veio, na calma de quem sabe que o tempo é seu aliado. Não deixou vazio, mas uma plenitude que me enchia os olhos de lágrimas e o coração de gratidão. O silêncio que ele trouxe, agora, era paz, era certeza. Obaluayê, o Rei da Terra, me mostrou que a cura não é só do corpo, mas da alma, do espírito, da vida inteira. Ele é grande, sim, maior que qualquer dor, mais vasto que o mundo. Silêncio! Atotô! O eco da sua presença ainda ressoa em mim. Ele voltará, eu sei, mas por agora, levo a certeza de ter testemunhado o divino, o sagrado, o amor que cura emana da terra.

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