A Luz Que Fica: O Encontro com o Grande Pai
Era como se o tempo já soubesse do sagrado que estava por vir. A preparação não era apenas um ritual, mas uma conversa íntima com o Divino. Na noite anterior, quando fechei os olhos, a oração não era um ato mecânico. Era como se cada palavra flutuasse, subisse, tocasse suavemente o universo e voltasse carregada de paz. Dormir não era dormir: era um repouso na espera, uma entrega. Oxalá viria, e para isso eu precisava ser mais do que eu era; precisava ser puro, ser silêncio, ser casa aberta.
O dia nasceu em tons claros, como um prenúncio. Antes do primeiro raio de sol tocar a janela, o cheiro da defumação já dançava pela casa. Cada canto foi abraçado por aquela fumaça leve, como mãos invisíveis que limpavam tudo o que não era digno de estar ali. O espaço estava arrumado, mas não apenas por fora — a alma também precisava estar. Durante todo o dia, pensamentos elevados eram mais que um dever; eram o caminho que me ligava a ele.
E então, a tarde chegou. O céu tingido de um branco quase dourado, como se a própria luz do Pai maior se espalhasse pelo horizonte. Ele estava ali, diante do congá, e o ambiente parecia respirar com outra cadência. Oxalá não chegou com alarde; sua presença era a própria harmonia, um silêncio que falava e preenchia. Seus movimentos eram tão lentos, tão suaves, mas carregavam um peso — não de fardo, mas de grandeza. Era como se todo o universo se inclinasse quando ele levantava os braços ao céu, e a terra inteira vibrasse quando suas mãos desciam para consagrá-la.
Ajoelhado aos pés do Grande Pai, eu era um nada diante de um tudo que não intimidava, mas acolhia. Sua bênção desceu sobre o meu ori como uma chuva delicada, mas poderosa, que escorreu pelo meu corpo, purificando, fortalecendo, conectando. Ele caminhou pela casa, e nós, em reverência, o seguimos. Cada canto recebeu sua bênção; cada espaço, uma fagulha de luz.
E ainda assim, havia mais. Sobre a mesa, cinco flores brancas repousavam em uma água doce de mel. Oxalá as havia imantado durante o dia, preparando-as para um gesto de conexão infinita. Após um dia inteiro, elas seriam devolvidas à terra, ao verde, como um elo visível entre o céu e o chão, entre o humano e o divino.
Quando percebi que ele se foi, já não era tarde. Ou talvez fosse, mas o tempo não importava. Ele não deixou vazio. Deixou luz, serenidade, uma paz que não pode ser descrita — apenas vivida. A casa, agora, tinha um novo pulsar, como se cada parede, cada objeto, carregasse algo dele.
E eu fiquei ali, quieto, sentindo. Esperando por ele de novo, porque quem prova de Oxalá jamais deseja outra coisa senão sua presença.
Epa Babá Oxalá! Que sua luz nunca nos deixe, que sua bênção esteja sempre no nosso ori. E enquanto ele não volta, que sejamos nós os que espalham essa paz que ele nos dá, porque, no fundo, Oxalá nunca parte. Ele permanece no sopro suave da vida, em tudo que é belo, em tudo que é pleno.
Santiago Rosa



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