Sua Alma Está Pronta? O Desencarne Sob a Luz dos Pretos Velhos
por Santiago Rosa
No balanço da vida, onde o sopro se faz e desfaz, muitos de nós carregamos o medo do fim, daquele instante derradeiro que nos arranca do chão que pisamos. Mas e se eu te dissesse que o findar não é o ponto final, mas sim a vírgula que anuncia um novo parágrafo, uma nova jornada? No coração da Umbanda, essa travessia, que muitos chamam de morte, ganha outro nome, outro sentido: desencarne. E nesse caminho, onde o véu se afina entre o cá e o lá, surgem figuras de luz, de sabedoria ancestral, que nos estendem a mão e nos guiam com a doçura de um abraço de avó: os Pretos Velhos. Prepare-se, pois, para desvendar os mistérios dessa passagem, para sentir a força que emana dos bancos de cambone e a sabedoria que se esconde nas palavras miúdas de quem já viu e viveu muito mais do que a gente pode imaginar. Este é um convite para olhar o desencarne não com temor, mas com a reverência de quem compreende que a vida, em sua essência, é um rio que segue seu curso, transformando-se, mas nunca se perdendo.
O Desencarne na Umbanda: Um Novo Caminho se Abre
No terreiro, a palavra 'morte' não carrega o peso do fim, da ausência eterna. Ela se transmuta em 'desencarne', um termo que já em si carrega a leveza da continuidade, da transição. Para a Umbanda, o desencarne é o momento em que a alma, o espírito, se desliga do corpo físico, como uma borboleta que rompe o casulo para alçar voo em novas dimensões. Não há luto sem esperança, pois a crença é firme: a vida segue, em outros planos, em outras vibrações.
Essa visão umbandista se alicerça em pilares que sustentam a fé e a compreensão da jornada espiritual. Primeiro, a continuidade da vida espiritual. O corpo se vai, mas a alma, essa centelha divina, permanece. Ela segue sua senda de aprendizado e evolução, podendo habitar planos mais elevados ou, se necessário, aqueles que ainda demandam purificação e entendimento. É um rio que corre, sempre em frente, buscando o mar da perfeição.
Em segundo lugar, o desenvolvimento espiritual pós-desencarne. A alma, ao adentrar o plano astral, encontra-se em um ambiente que reflete seu estado vibracional. Ali, mentores espirituais, guias e entidades de luz, como os próprios Pretos Velhos, estendem suas mãos, oferecendo amparo e sabedoria. Eles auxiliam na compreensão das ações vividas na matéria, preparando o espírito para as próximas etapas de sua evolução. É como um reencontro com a escola da vida, mas agora com a sabedoria de quem já viveu uma parte da lição.
E por fim, a reencarnação. A Umbanda compreende que o desencarne é uma etapa, mas não a última. O espírito, em sua busca incessante por aprimoramento, retornará à matéria em novas vidas, em novos corpos, para aprender as lições que ainda lhe faltam, para resgatar débitos e para evoluir. É a roda da vida girando, sempre em movimento, sempre em busca da luz maior.
Pretos Velhos: Guardiões da Passagem, Faróis de Luz
No vasto oceano da espiritualidade umbandista, os Pretos Velhos emergem como faróis de luz, guias de uma sabedoria que transcende o tempo e as dores da carne. Eles são a representação viva da humildade, da caridade e da paciência, espíritos que, em suas jornadas terrenas, enfrentaram as mais duras provações e delas extraíram a essência do amor e do perdão. Não se engane pela imagem de velhice; a idade que carregam é a da alma, a da experiência acumulada em séculos de aprendizado e serviço.
Esses guardiões da passagem, muitas vezes representados com seus cachimbos e rosários, são a personificação da resiliência. Foram, em outras vidas, médicos, padres, alquimistas, magos, conhecedores profundos dos segredos da natureza e da manipulação dos elementos. A dor da escravidão, a humilhação e o sofrimento que muitos deles experimentaram na matéria, transformaram-se em um manancial de compaixão e entendimento, tornando-os aptos a amparar aqueles que buscam consolo e orientação.
No momento do desencarne, quando a alma se desprende do corpo, a presença dos Pretos Velhos é um bálsamo. Eles atuam como verdadeiros condutores, auxiliando na transição, suavizando a dor da partida e guiando o espírito para os planos de luz que lhe são devidos. Com a doçura de um conselho e a firmeza de um abraço, eles dissipam o medo, acolhem a alma e a preparam para a nova etapa de sua jornada. Para aqueles que cultivam laços com a Umbanda, o amparo desses guias é um privilégio, uma certeza de que não estarão sós na travessia.
Eles são os psicólogos do astral, os conselheiros que, com sua fala mansa e seus olhos que tudo veem, nos ensinam a importância da humildade, da serenidade e da fé. Através de seus benzimentos, da manipulação de ervas e, acima de tudo, da força de sua fé inabalável, eles promovem curas, desfazem feitiços e limpam os caminhos, mostrando que o poder do bem é sempre maior que qualquer adversidade. A presença de um Preto Velho no terreiro é a certeza de um colo amigo, de uma palavra que acalma e de uma energia que eleva, preparando o espírito para as verdades que se revelam além do véu.
Orixás e o Desencarne: A Força Divina na Travessia
No universo da Umbanda, o desencarne não é um evento isolado, mas parte de um ciclo maior, regido e amparado pelas forças divinas dos Orixás. Eles são a própria natureza em sua manifestação mais pura, e cada um, à sua maneira, atua no grande mistério da vida e da morte, garantindo que a travessia da alma seja feita com a ordem e a justiça que emanam do Criador.
Omulu, o Senhor da Terra, é o grande transmutador, o guardião da calunga pequena, o cemitério. É ele quem recebe os corpos que retornam à terra, transformando a matéria para que a energia se renove. Ele é o zelador das almas, o que cuida para que o ciclo se complete, e é também o Orixá que ampara os Pretos Velhos em sua missão de guiar os espíritos. Sua presença é a certeza de que nada se perde, tudo se transforma, e que mesmo na aparente quietude da terra, a vida pulsa em um novo ritmo.
Nanã Buruquê, a Senhora da Lama, é a ancestralidade primordial, a mãe que gera e que acolhe no retorno. Ela é a travessia entre os mundos, a água que dissolve e a terra que renasce. Em suas mãos, a morte se torna um encantamento, um portal para a vida que se renova. Nanã é a sabedoria do tempo, a paciência da natureza que espera o momento certo para que a semente germine, mesmo após o inverno mais rigoroso. Ela nos ensina que o fim é apenas o prelúdio de um novo começo, e que na lama da existência, a vida encontra sua mais profunda beleza.
E Iansã, a Senhora dos Ventos, a guerreira que comanda as tempestades e os raios, é quem conduz os espíritos desencarnados. Com sua espada de luz e seu irukerê, ela abre os caminhos no astral, dissipando as sombras e guiando as almas para o Orún, o plano espiritual. Iansã é a força que impulsiona, a coragem que se faz necessária na hora da partida, garantindo que a alma encontre seu destino com a liberdade e a leveza do vento. Ela é a guardiã da passagem, a que assegura que a jornada seja feita com a dignidade e a proteção que cada espírito merece.
Assim, no terreiro, a morte não é um tabu, mas um processo sagrado, onde a força dos Orixás se manifesta em sua plenitude, garantindo que a alma, ao se desprender da matéria, seja acolhida, guiada e preparada para as novas etapas de sua eterna evolução.
A Fé e a Continuidade: O Legado da Alma
No terreiro, a fé não é um mero sentimento, mas uma força viva, um elo que nos conecta aos planos superiores e nos sustenta nas travessias da vida e da morte. É essa fé que impulsiona as preces, os trabalhos espirituais e os rituais dedicados aos que partiram, pois sabemos que a energia do amor e da intenção pura alcança o espírito em sua nova morada, auxiliando-o em sua jornada de luz.
As preces, entoadas com devoção, são como pontes de luz que se estendem do plano físico ao espiritual, carregando consigo o carinho, a saudade e o desejo de que o espírito encontre paz e evolução. Os trabalhos espirituais, realizados com a sabedoria dos guias e a força dos Orixás, visam limpar as energias densas que porventura ainda se prendam à alma, facilitando sua ascensão e seu despertar em dimensões mais elevadas. É um ato de caridade, de amor incondicional, que transcende as barreiras da matéria.
E nesse ciclo incessante de aprendizado e aprimoramento, a reencarnação se apresenta como a grande oportunidade. A Umbanda nos ensina que a alma, em sua busca pela perfeição, retorna à matéria quantas vezes forem necessárias, em corpos e experiências distintas, para que possa aprender as lições que ainda lhe faltam, resgatar débitos passados e evoluir. É a lei do carma em ação, a justiça divina que nos oferece sempre uma nova chance de recomeçar, de fazer diferente, de crescer.
Assim, a fé se torna a bússola que nos guia, a certeza de que a vida é um fluxo contínuo, onde cada desencarne é um portal para um novo aprendizado, uma nova oportunidade de expansão da consciência. É a compreensão de que somos seres eternos, em constante evolução, e que o amor e a caridade são os verdadeiros legados que deixamos para trás, reverberando em todos os planos da existência.
A Eternidade da Alma e o Amparo Ancestral
Chegamos ao fim desta travessia, mas a jornada da alma, essa, não tem fim. O desencarne, longe de ser um ponto final, é a vírgula que anuncia a continuidade, a transformação. Na Umbanda, essa passagem é vista com a reverência que se dedica a um rito sagrado, um momento de aprendizado e de renovação, onde a alma se liberta das amarras da matéria para alçar voo em novas dimensões.
E nesse caminho, os Pretos Velhos se erguem como pilares de luz, guardiões de uma sabedoria ancestral que nos ampara e nos guia. Com a doçura de um conselho e a firmeza de um abraço, eles nos mostram que a humildade, a caridade e a fé são as ferramentas mais poderosas para enfrentar as travessias da vida e da morte. Eles são a prova viva de que a experiência, mesmo a mais dolorosa, pode ser transformada em luz e em serviço ao próximo.
Que a compreensão do desencarne, à luz da Umbanda e do amparo dos Pretos Velhos, nos traga paz e serenidade. Que possamos olhar para a partida não com o temor do desconhecido, mas com a certeza de que a vida é eterna, que o amor transcende as barreiras da matéria e que, em cada passo da nossa jornada, a sabedoria ancestral dos Pretos Velhos estará ali, a nos guiar, a nos proteger, a nos lembrar que somos parte de um todo maior, em constante evolução. Saravá a todos os Pretos Velhos, que com sua luz, iluminam nossos caminhos e nos preparam para a grande travessia.

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