Domingo, 2 de Fevereiro: Um Dia de Luz, Águas e Amor
O domingo amanheceu como um presente embrulhado em luz dourada, como se o próprio sol soubesse que aquele não era um dia comum. Era 2 de fevereiro, dia de Iemanjá, e o ar parecia carregar um perfume de mar e flores, um cheiro de festa, de devoção, de algo maior que a gente. O terreiro, ainda silencioso nas primeiras horas da manhã, já respirava uma energia diferente, como se cada canto estivesse sussurrando: “Hoje é dia de celebrar a mãe das águas, a grande Iemanjá.” Mas não era só ela que nos chamava. Tinhamos duas tarefas sagradas pela frente: entregar a oferenda de Oxum, preparada na noite anterior com tanto cuidado, e depois voltar para preparar as homenagens à rainha do mar. O dia prometia ser longo, mas cada minuto era uma bênção.
O congá, adornado com flores brancas e azuis, brilhava sob a luz do sol, como se estivesse nos lembrando que aquele era um dia de luz, de graça, de renovação. Os trabalhos, cuidadosamente preparados, pareciam emanar uma força tranquila e poderosa. O prato para Iemanjá foi feito nas primeiras horas da manhã, com as mãos cheias de devoção e o coração cheio de gratidão. O arroz doce com leite de coco e mel, um prato simples, mas cheio de significado, foi preparado com todo o carinho. Cada grão de arroz parecia carregar uma prece, cada gota de mel, uma promessa de amor. Era preciso oferecer humildemente, com o coração aberto, sabendo que Iemanjá receberia não pelo que estávamos dando, mas pela intenção que colocávamos em cada gesto.
Mas antes de receber Iemanjá, tínhamos uma missão: levar a oferenda de Oxum até a mata. A noite anterior havia sido dedicada a ela, à doce mãe das águas doces, que nos presenteou com sua energia maternal e nos guiou na preparação da oferenda. Era um presente dela para nós, e agora era nossa vez de retribuir, levando aquela oferenda até as águas cristalinas da mata. Partimos sem saber exatamente para onde íamos, mas com a certeza de que estávamos sendo guiados por uma força maior, invisível, mas profundamente sentida. A mata nos esperava como um santuário natural, um lugar onde o sagrado se manifestava em cada folha, em cada sombra, em cada murmúrio do riacho.
Antes de adentrarmos a mata, Exu, o guardião dos caminhos, já havia dado sua licença. Sua presença firme e protetora abriu as portas para que pudéssemos seguir sem medo, sabendo que o caminho estava livre e seguro. E, ao chegarmos ao local, foi como se o tempo parasse. A mata, com seu verde exuberante, parecia respirar conosco. Os animais, invisíveis, mas presentes, testemunhavam aquele momento sagrado. As águas, puras e límpidas, eram um reflexo da própria Oxum, que ali estava, nos banhando com sua energia de cura e renovação. Com o coração batendo mais forte, realizamos a entrega da oferenda. Era um momento de profunda conexão, de gratidão e de reconhecimento pelo presente que Oxum nos havia dado. Os pedidos foram feitos em voz baixa, quase sussurrada, como se fossem segredos compartilhados apenas com ela. Os agradecimentos foram entregues com devoção, e as preces subiram como fumaça, levando nossas intenções a toda a espiritualidade.
De volta ao terreiro, a energia já era outra. Iemanjá estava chegando, e sua presença se anunciava em cada detalhe. O congá, agora iluminado por velas e flores, parecia pulsar com uma luz própria. E, quando ela finalmente se manifestou, foi como se o oceano inteiro tivesse invadido o terreiro. Sua energia era forte, mas ao mesmo tempo acolhedora, como o abraço de uma mãe que há muito tempo não vê seus filhos. As ondas do mar pareciam dançar ao seu redor, e o som das águas enchia o ar, tocando nossos corações de uma maneira profunda e transformadora.
Iemanjá dançou com uma graça sublime, seus movimentos fluidos e poderosos nos lembravam das marés que nunca param, que sempre voltam, que sempre renovam. Ela se abaixou, tocando as águas que trouxe consigo, e então ergueu as mãos, banhando cada um de nós com sua energia purificadora. Era um banho de amor, de cura, de renovação. Cada gota que caía sobre nossas cabeças lavava não apenas o corpo, mas também a alma, removendo as impurezas e nos enchendo de uma força nova, um amor puro e incondicional.
Ela repetiu o banho em cada um dos presentes, um por um, como uma mãe que cuida de seus filhos com igual dedicação. Sua presença no terreiro já era motivo de alegria, mas ver o cuidado com que ela nos abençoava era algo que tocava o mais profundo de nossos corações. E, após nos banhar, ela também abençoou a comida que seria oferecida a todos, estendendo suas graças até mesmo àqueles que não puderam estar presentes. Era a generosidade de Iemanjá, que nunca esquece de ninguém, que sempre cuida de todos.
Foi a primeira festa de Iemanjá no nosso terreiro, e mesmo que humilde em recursos, foi grandiosa em sentimentos. Cada gesto, cada canto, cada oferenda foi feito com o coração aberto e cheio de amor. E Iemanjá, com certeza, sentiu isso. Ela nos deixou aquecidos, renovados, cheios de gratidão e esperança. Sua despedida foi suave, como uma onda que volta para o mar, mas a energia que ela deixou permaneceu, nos lembrando de que estamos protegidos, amados e guiados.
Odoyá, mamãe Iemanjá! Odoyá! Que ela continue a nos abençoar, a nos guiar e a nos lembrar do poder do amor incondicional. E que possamos recebê-la novamente, com ainda mais fé, mais devoção e mais gratidão. Axé!
Santiago Rosa



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